Apesar de extremamente comunicativa e proativa, sempre fui uma menina recatada, daquelas que usava camisões e não gostava de roupas que mostrassem além dos ombros. Fui de uma família tradicional religiosa e, embora minha cabeça fervilhasse de indagações às questões de comportamento e sociedade, eu nunca me deixava ir além nos questionamentos ou, naturalmente, eu era "brecada" por algum ancião/anciã da família...rsrsrs.. Demorei pra colocar pra fora minhas indagações.
Só após do falecimento da minha avó materna, no auge dos meus 23 anos, foi que me permiti ir além na exposição das minhas ideias. Hoje vejo que foi por respeito a ela que nunca fui tão longe nos questionamentos.
Filha de pai médico e mãe médica, minha infância e início da adolescência foram recheadas de termos clínicos, nomes de doenças e remédios, cheiro de hospital, idas a enfermarias de maternidade e consultórios, e muitas, para não dizer inúmeras, consultas dentro da minha própria casa. O universo que girava em torno do serviço público de saúde alagoano também era o meu.
Vi, me assustei, mas me inspirei com muitas coisas que vi!
Depois de uma infância enriquecedora no interior de Alagoas, aos 13 anos passei a viver na capital, Maceió-AL, onde fui continuar os estudos. Lá fiz o colégio e a faculdade. A época do colégio em Maceió foi também o marco inicial da minha vida nas artes cênicas. Comecei a fazer curso de teatro na escola e depois disso foram quase 10 anos envolvida com atividades relacionadas às artes, sobretudo o teatro e a poesia! Participei (ganhando e perdendo) de concursos de poesia e teatro da cidade e do estado, fiz curso de TV, modelo fotográfico, fiz propagandas de loja, propaganda política, participei de campanha anti-tabagismo do ministério da saúde, enfim... quando eu não estava na escola e nem praticando algum esporte, eu com certeza estava gravando alguma propaganda pra TV ou fazendo algum curso de teatro. Quando eu estava entre meus 17 ou 18 anos, eu já havia acumulado (em cursos) um número de horas-aula de teatro equivalente às horas de um curso universitário de artes cênicas. Foi quando tirei minha carteira profissional de atriz. Pra isso precisei estudar a fundo a história do teatro e preparar um monólogo para ser interpretado para uma banca de professores de teatro. Deu certo! Me tornei, oficialmente, uma atriz.
Em paralelo à realização deste sonho antigo eu estava me tornando adulta, e desejava ter uma "carreira profissional estável". Na época muitos me diziam que a "vida de atriz" não seria fácil, e que eu nunca teria estabilidade nela. Aquilo pesou bastante na decisão do próximo passo a seguir, ao ponto de eu decidir desviar o rumo para o suposto caminho mais "estável": uma graduação numa faculdade. Até hoje busco a tão desejada "estabilidade profissional", ahahah!
No início dos anos 2000 a Fisioterapia estava em destaque na sociedade, e aquele curso de saúde me parecia interessante. Eu não precisava trabalhar com cortes, sangue e outros fluidos humanos, e ainda trabalharia numa área da saúde, um ambiente em que cresci e que me era muito familiar: nome de doenças, remédios, tratamentos, reabilitação, pacientes, etc... Eu me sentiria em casa!
E assim foram os 5 anos de curso em Fisioterapia. Me formei em Fisioterapia na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, UNCISAL, a mesma faculdade onde meus pais e meu irmão se formaram médicos. Embora eu fosse uma aluna dedicada e tirar notas excelentes, eu também participava da política estudantil da faculdade, das comissões de organização de eventos científicos (foi ali que fiz minha iniciação científica que rendeu minha primeira publicação), participava dos jogos de praia da faculdade e como se quisesse afirmar para mim mesma que eu não deixaria o teatro para trás, naquela época eu idealizei o Primeiro Sarau Cultural da Faculdade. Enquanto escrevo este texto me vem lembranças que eu não sonhava ainda tê-las. Mas olha que incrível: Lembro que para realizar o sarau cultural bolei um questionário para ser distribuído entre os alunos da Faculdade (na época éramos somente estudantes de Medicina, Fisioterapia, Terapia ocupacional e Fonoaudiologia), para avaliar a importância e o interesse que os alunos tinham sobre um sarau cultural. E já munida dos resultados da "pesquisa", fui pedir autorização da direção da Faculdade para realizar o evento ( hoje vejo que ali já despontava em mim um "q" de critério metodológico, algo que me serviria mais tarde quando então decidi ser pesquisadora). Com a ajuda de colegas de outros cursos, e também entusiastas das artes, realizamos nosso Sarau Cultural e ele foi um sucesso!!!
Eu não era "CDF" na faculdade, juro!! Eu me dava bem nas matérias talvez porque eu gostava demais de todas elas!
Enquanto na época da escola e do colégio eu era aquela aluna MUITO esforçada que tinha que estudar bastante para tirar notas boas, na faculdade eu já tinha outra fama: eu era aquela aluna que só tirava 9 e 10! Era pura paixão pela área.
A minha matéria favorita era Fisiologia Humana!! Foi amor à primeira vista. Lembro do primeiro dia de aula, e de ter corrido na mesa do professor (Dr. Euclides Maurício) ao final da aula, para parabenizá-lo pelas explicações! Começava ali não só a paixão, mas a missão da minha vida! Fui monitora de Fisiologia por dois anos e foi naquela área que comecei minha carreira científica. Fiz um trabalho que se tornou meu trabalho de conclusão de curso-TCC, o qual, anos mais tarde foi publicado na revista de saúde pública da USP, uma universidade, aliás, que eu nunca havia sonhado em colocar os pés.